sexta-feira, 6 de julho de 2012

Apartamento 7

-Alô?
-Alô, eu gostaria de contratar uma de suas acompanhantes.
-Qual a sua preferência senhor?
-Branca, cabelos negros e compridos. Curvas bonitas, mas bem magra.
O rosto, tem que ser bonito também.
-Com essa descrição eu tenho uma menina, mas ela é loira senhor.
-Humm, e ela tem olhos bonitos?
-Azuis senhor
-Ok, pode ser ela. Rua 14 condomínio Tarso de castro, apartamento 7.
-Ela chegará as 22 horas
-Certo, obrigado.
-Eu que agradeço, tenha uma boa noite.
Tu deve estar te perguntando que tipo de velho escroto eu sou. Antes de tudo saiba que eu já tive meus tempos áureos e já conquistei mulheres de beleza imensurável. Porém, na atual situação não sinto a mínima vontade de flertar. Tenho 46 anos e uma aparência notável. Não ficarei me descrevendo, me imaginem como lhes for agradável aos olhos. Vamos voltar a história. Eram 20 horas, tomei uma ducha e me preparei para esperar a menina, que eu imaginava ter uns 26 anos. Quero aqui relatar essa noite de forma detalhada. Pois considero uma história interessante, a minha e da Caroline. Passei um perfume e me postei sentado diante do quadro que o Bruno havia me presenteado. Após algumas cervejas o interfone tocou e uma voz doce soou:
-Olá, aqui é Caroline, a acompa
-Tudo bem, pode subir.
Talvez eu tenha interrompido de forma abrupta as palavras da moça, mas delicadeza nunca foi um forte e até então ela era só Caroline para mim. Acho que posso considerar a estupidez inicial aceitável. Instantes depois a campainha tocou e eu abri a porta. A primeira vista, fiquei inerte com a visão da ninfa que se postava na soleira. Os olhos, extremamente azuis, contrastavam com a palidez gélida da pele. O corpo pequeno e pouco coberto. Tudo isso sobreposto pelo ouro que nascia de seu couro cabeludo e se estendia até as nádegas. Caroline sorriu e fez menção de prosseguir; me vi forçado a sair do transe, constrangedor, no qual me encontrava:
-Me desculpa, pode entrar
Ela passou, meu olhos e ouvido ficaram tão aguçados quanto os de um predador. E fechei a porta.
-Aceita uma cerveja?
-Não, obrigada senhor.
-Nossa! Acabaste de me brochar com esse "senhor"
Ela riu
Nós rimos
-Então, muito abrigada é...?
-Miguel
Eu, ainda sorrindo,completei.
-Mas, se tu tiveres algo mais forte Miguel
Ela salientou meu nome ainda com o ar de riso.
-Se tu tiveres; eu aceito
-Vocês e essa manias com destilados, nunca vou entender
-Mas, um Whisky então?
- Seria ótimo.
Servi uma dose, que ela preferiu sem gelo. Pequei uma cerveja pra mim e indaguei:
- Nós temos tempo ou?
- O tempo é por contado cliente senh. Miguel
-Ótimo, então vem.
Nos dirigimos ao quarto, onde a cama já estava descoberta.
-Tu prefere que eu tire a roupa agora ou?
-Só deixa rolar
Me aproximei para beijar os lábios, que se faziam perfeitamente bem desenhados, a meia luz.
Fui parado.
-Eu não beijo na boca
Deslizei o beijo para o pescoço, caímos na cama nos despindo. Os corpos se entrelaçaram, o que era pra ser sem sentimento fez a cama flutuar e a terra tremer. Toquei cada parte de Caroline como se fosse o paraíso com o qual os puritanos sonham.Beijei e acariciei como poucas rainhas mereceram.Fui beijado e tocado como poucos reis foram capazes de sonhar. E após duas horas de frenesi e transe os continentes se uniram e os planetas se alinharam mais uma vez. Ela se recostou em meu peito e após uns 10 minutos eu quebrei o silêncio.
-Vou buscar outra cerveja, tu queres algo?
-Outra dose, com gelo dessa vez, por favor.
Ainda extasiado, caminhei descalço no chão frio e trouxe as doses. Recostei ela em meu peito e aproveitamos o tempo da bebida pra não falarmos sobre o que não precisava ser dito. No rosto de Caroline poucas coisas eram notáveis, fora a beleza monumental. Exceto, talvez, por um leve ''que'' de confusão nos traços bem desenhados. Então eu comecei a rir. Ela que se virou e perguntou
-Que foi?
-Tu
-Eu o que?!
-Te recusa a me dar um simples beijo na boca. Mas não pensa duas vezes em beijar qualquer outra parte!
-Um beijo não é algo tão simples assim...
Disse enquanto se levantava e pegava algo na bolsa.
-Te importa?
-Fazendo sinal para um saquinho plástico comum pó branco.
-Não, por mim tudo bem.
Ela esticou duas carreiras na capa de um Neruda que estava no criado mudo. Aspirou de forma tão delicada, parecia fazer poesia. Então retornou e voltou a se recostar no meu peito. Dessa vez fungava um pouco.
-Eu sou nova nisso.
-Nisso o que?
-Programas, mas o dinheiro é bom...
-Mas como tu chegou a te prostituir?
-É como eu disse, o dinheiro é bom. Bem ou mal, preciso me virar pra terminar a faculdade.
O comércio roubaria muito meu tempo.
-E a cocaína rouba teu dinheiro.
-Não, não sou viciada. Cheiro por que gosto mesmo.
-Aham
Ela virou os olhos
- E quanto ao beijo, o pessoal lá falou que era mais fácil. Que sem beijo dava pra separa da vida pessoal. Quanta bobagem!
Eu sorri, era incrível como palavras tão fortes; ficavam doces, quando proferidas daquela boca.
-E tu, o que tu faz?
-Eu sou jornalista, editor chefe de uma revista de viagens!
-É, não é qualquer um que tem um apartamento na rua 14.
Eu acariciava os cabelos dela e ela brincava com minha barba rala.
-Não é sinônimo de felicidade sabe, o apartamento.
-É mas te traz pra sofrer em um apartamento com obras de arte!
Dessa vez nós dois rimos, rimos muito por algum tempo.
Passado algum tempo, ela consultou o relógio.
-Nossa, preciso ir!
Com um pulo da cama, ela começou a se vestir.
-Que foi?
Perguntei atordoado, mas não sem deixar de reparar nas curvas, que o vestido tentava, de forma ineficaz, cobrir.
- Desculpa, é que eu tenho outro cliente e geralmente não demora tanto..
-Tudo bem, tudo bem, não precisa se explicar.
Vesti um calção e peguei minha carteira.
-Tu pode?
Disse ela fazendo sinal para o zíper.
- Claro, claro.
Ela puxou os cabelos em um coque e se adiantou para a porta. paguei o preço estipulado e a porta se fechou.
As vezes vejo Caroline por aí, em algum olhar de menina ou em longos cabelos loiros a balançar.
As vezes me pego pensando por onde ela andará.Não cabe a mim a dádiva de saber ou julgar. Conheci poucas almas livres como Caroline, poucas pessoas despidas de rótulos massantes ou clichês entediantes. E ela? Ela deve andar por aí, solta no mundo. Fazendo da tragédia da existência, uma piada irônica regada a doses Whisky e carreiras de pó.

Um comentário:

  1. Muito bom o conto, Lipe. Depois quero falar contigo sobre um livro que lembrei enquanto lia esse conto, bjusss!!

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